terça-feira, março 01, 2005

Saúde Escolar - Noções II

ÂMBITO E INICIATIVAS
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“O programa de Saúde Escolar deve ser desenvolvido em todos os estabelecimentos de educação e de ensino e abranger toda a comunidade pré-escolar e escolar (alunos, educadores/professores, empregados e ainda os pais/família ou, no mínimo, os encarregados de educação), com excepção do ensino superior ou equiparado”. (DGS, 1996)
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Esta enunciação contém à partida algo que, pela minha experiência profissional, devo sublinhar:
** Em primeiro lugar, “todos os estabelecimentos” pressupõe os públicos e os privados. Faz sentido que assim seja, porque em todos há utentes do SNS e dos centros de saúde em particular. Contudo, frequentemente, pela própria organização interna dos centros de saúde e dos estabelecimentos de educação e ensino, bem como pela realidade dos seus quadros de pessoal, os privados são de facto “privados da saúde escolar”, ou seja, raros são os casos em que os programas de saúde escolar são uma realidade nos estabelecimentos não públicos. Essa realidade tem de acabar;
** Em segundo lugar, os alunos do ensino superior estão fora dos programas de saúde escolar. Porquê? Já estarão livres dos comportamentos adictivos (tabaco, álcool e drogas)? Estarão a salvo das doenças sexualmente transmissíveis? Estarão totalmente conscientes da necessidade de uma boa higiene alimentar, dos benefícios da prática física regular ou de outras realidades de cidadania em que urge consolidar conceitos e condutas saudáveis? Claro que as características dos programas de saúde oral, as sessões de esclarecimento sobre sexualidade e em torno da gravidez na adolescência, os exames globais de saúde, as sessões sobre higiene postural e outras não serão aplicáveis tal como às demais faixas etárias, mas fará sentido nos dias de hoje, com uma exposição ao risco crescente e com o abandono da casa dos progenitores cada vez mais tardiamente, negligenciar uma actuação tipo “umbrella” junto deste público-alvo?
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O programa-tipo de Saúde Escolar não “fecha a porta” ao desenvolvimento de acções nos estabelecimentos privados, mas defende a realização de protocolos casuísticos entre o Centro de Saúde e a Escola.
Ora, em meu entender, os objectivos do programa não se coadunam com esta subordinação burocrática.


Recordo aqui os objectivos do programa tipo (DGS, 1996):
**Contribuir para proporcionar à população escolarizada a aquisição de conhecimentos e a motivação capazes de assegurar a cada um dos seus elementos:
+O reforço da sua auto-estima e sentimentos e pertença;
+Um desenvolvimento harmonioso;
+Condições de sucesso escolar e educacional;
+A utilização racional e responsável dos serviços e outros recursos da saúde;
+A redução de desigualdades perante a saúde.
**Apoiar os alunos da descoberta do valor do seu potencial de saúde e na adopção de respostas adequadas e construtivas aos desafios do quotidiano, capazes de lhes proporcionar:
+Competências de autonomia, responsabilidade e sentido crítico indispensáveis à opção e adopção de comportamentos e estilos de vida saudáveis;
+Saberes e resistências que lhes permitem contactar e conviver diariamente com múltiplos factores de risco sem que se verifiquem prejuízos para a saúde.
**Contribuir para a integração das crianças com necessidades de saúde especiais (NSE) nos estabelecimentos de educação e de ensino.
**Apoiar a participação parental, de molde a potenciar a função da escola no desenvolvimento dos alunos.
**Apoiar as iniciativas de inovação pedagógica correctoras de eventuais disfunções psico-afectivas.
**Promover a qualidade ambiental e a segurança dos estabelecimentos de ensino de molde a que a Escola:
+Seja vivida como local ecológico, seguro e agradável;
+Possa responder às eventuais necessidades especiais (NSE e/ou NEE) das crianças e dos jovens.


São sucintos e abrem portas para muito lado, para muita interacção, para diversos intervenientes, das escolas e da saúde. É isso mesmo que é dito, no capítulo da “organização e recursos”, onde se afirma de modo muito claro que “o trabalho não pode ser realizado numa perspectiva individual, sendo imprescindível a colaboração intersectorial e multiprofissional no mesmo serviço entre os diversos serviços/instituições pertinentes, devendo-se estabelecer ou reforçar os canais formais e informais de comunicação e de cooperação entre todos esses elementos”.
É verdade que assim deve ser. Não é – infelizmente – essa a realidade vivida.
Todos o sabemos e todos sabemos, igualmente, que é necessário mudar de atitude. Porém, é igualmente verdade que a vertente assistencialista ao utente e o dimensionamento dos quadros de pessoal não tem permitido ir mais além no aprofundamento dos objectivos da Saúde Escolar.
Esperam-se decisões corajosas e enérgicas. Não há tempo a perder e esta aposta não pode ser encarada como um custo do Estado – é antes um investimento com ganhos a médio e longo prazo, ganhos que poderão ser visíveis inclusivamente nos planos económico e financeiro.